top of page

Detonando 8 mitos sobre a Santidade


Eu me lembro do dia em que acordei e decidi que seria santa. Parece bom, não é mesmo? O problema foi que não achava que poderia ser suficientemente santa sendo eu mesma. Eu então observava as pessoas ao meu redor que me pareciam ser santas, e tentava ser igual a elas. Naturalmente, foi um desastre. Não podia fingir não ser eu mesma. É claro que é bom e maravilhoso ser inspirado por outras pessoas e, através delas, se permitir chegar mais perto de Deus. Mas quando começamos a nos perder de quem somos, fica mais difícil chegar até Deus.

Todos nós podemos, em diferentes momentos, ter concepções equivocadas a respeito da santidade. De modo não exaustivo, detonamos aqui alguns desses mitos sobre a santidade.

1. Santidade não é ausência de sentimentos


Sentimentos podem ser ruins: raiva, preguiça, luxúria. Sabemos que não é bom viver guiados inteiramente por nossos sentimentos, ou estar constantemente sob o seu controle. Mas a alternativa de tratá-los apenas como uma rota direta para o pecado é um passo seguro para uma vida de fraturas internas. Ser santo não significa desejar ser insensível, ou dessensibilizado. Os sentimentos precisam ser admitidos. Se forem bons, podemos celebrar. Se nos conduzirem ao pecado, também devemos admiti-los, mas investigando as suas causas, em vez de fingir que não existem. Desse modo, podemos agarrá-los, encará-los e, com a devida ajuda, buscar o perdão e a cura das ocasiões em que eles nos dominaram.

O Padre Ron Rolheiser explica isso muito bem: “É fácil tomar erradamente a depressão pela santidade, o sentimentalismo pela piedade, a rigidez pela ortodoxia, o sectarismo estreito pela lealdade, a sexualidade reprimida pela integridade, e a negação da própria complexidade pela estabilidade. Digo isso com compreensão. Nenhum de nós está livre dessas lutas. Mas, tendo feito tal confissão, não nos deixemos enganar pela falsa santidade. A depressão, o sentimentalismo, o medo, a estreiteza, a rigidez e a repressão são coisas que drenam a nossa energia. A santidade, a piedade, a ortodoxia, a lealdade, a integridade e a estabilidade verdadeiras nos energizam e afastam de nós aquela sensação de culpa pelo fato de nosso sangue conter essa energia mais robusta. A presença da santidade verdadeira nos liberta e nos permite apreciar a nossa humanidade, e o resto não importa. A santidade verdadeira atrai e irradia a vida. E ela não exige que representemos o papel do Bom Samaritano para que ela se anime”

Ser santo é ser inteiro e admitir tudo o que se sente.

2. Santidade não é ser solene e sério o tempo todo


A santidade não quer dizer que paramos de nos divertir ou de curtir as coisas boas da vida. “Eu percebi que, se Deus me chamava ao sacerdócio, era a mim que ele chamava ao sacerdócio”, conta o Padre John Muir no ótimo vídeo “Um dia na vida de um sacerdote”. Nele, o padre aparece saindo para a corrida matinal, cantando o rock favorito no carro, rindo e contando piadas para os amigos. Os nossos hobbies e interesses só se tornam um problema quando ocultam a nossa amizade com Deus. Tenhamos hobbies, tenhamos interesses, façamos coisas que acrescentem cor e riqueza em nossas vidas. Ampliar as experiências e o conhecimento da própria vida é ampliar o nosso conhecimento de Deus.

“Corra, pule, divirta-se o quanto desejar no momento certo. Mas, pelo amor de Deus, não ceda ao pecado!” (São João Bosco, a partir de São Filipe Neri).

Ser santo é viver a vida em plenitude.

3. Santidade não é exagerar na oração e no jejum


Esse aqui preciso explicar melhor! É claro que as nossas vidas podem ser uma oferta a Deus. Podemos rezar ao longo do dia, e estar com Deus a qualquer hora. As sextas-feiras e a Quaresma também são tempos especiais de jejum. O jejum e a mortificação são importantes, pois nos ajudam a estar mais focados em Deus, a abandonar as distrações e a celebrar mais alegremente nas ocasiões apropriadas. Mas a santidade não é uma competição sobre o quanto nós podemos orar ou jejuar. Precisamos viver nossas vidas cotidianas e cumprir as tarefas (trabalhar, estudar, cuidar da família) que nos são próprias. É como dizia Santa Teresa de Ávila: ‘Nas panelas também encontramos a Deus’. E não apenas rezando nas capelas. Há um lindo salmo que diz “É inútil que vos levantei cedo e retardeis o repouso, comendo o pão das labutas. Ao seu amigo que dorme, ele o dará da mesma forma” (Sl 127, 2).

É verdade que a fé exige trabalho e perseverança, mas também há um sentido no qual podemos relaxar. Deus está no comando. Ele não exige que dediquemos horas do nosso esforço para nos conceder níveis inatingíveis de santidade. Ele exige apenas que sejamos o que somos, e que deixemos que ele nos ame, e que o encontremos em nós, e nós nele.

Ser santo é ter uma vida equilibrada e consistente, sempre mais perto da amizade com Deus.

4. Santidade não é julgar as outras pessoas


O mandamento do “não julgar” provoca muita controvérsia. O Senhor está nos dando carta branca para deixar o nosso próximo fazer o que quiser sem ser contestado? Será que nunca podemos apontar os erros que vemos, principalmente quando ligados ao comportamento e às ações alheias? Não é isso. Haverá ocasiões em que corrigimos os outros, em que tentamos educar os outros, em que protestamos contra as injustiças ou até em que agimos por conta própria em situações injustas.

Entretanto, a atitude do “eu mesmo nunca faria isso” é uma forma de julgamento. Como ter certeza? Dadas outras circunstâncias, menos apoio, uma criação diferente, talvez fizéssemos sim! Nunca sabemos o quanto somos fracos até enfrentarmos a tentação, a qual às vezes aparece literalmente do nada. A tentação nos surpreende porque ela desconsidera por completo a nossa sensação de sermos bons. Com isso em mente, a santidade não é um estado em que, confortavelmente, nos sentimos melhores que os outros. Ela também não é um lugar de onde proclamamos aos outros as nossas verdades, sem nenhuma compaixão. Todos têm dores e fraturas. Precisamos nos dirigir às pessoas reconhecendo genuinamente o nosso próprio pecado, e tudo o que o Senhor fez por nós.

Ser santo é caminhar ao lado dos outros, sabendo que juntos perseveramos no caminho para o céu.

5. Santidade não é tentar ser alguém que se admira


Isso é mais complexo do que simplesmente dizer “seja você mesmo”. E se você não se acha suficientemente santo? Naturalmente, é ótimo e necessário que tenhamos exemplos de vida, pessoas a quem admiramos, pessoas que possam nos aconselhar. Mas isso se torna um problema quando saímos de nossa rota e mudamos de personalidade. Se a sua natureza é ser uma pessoa gregária e cheia de energia, não tente se tornar uma pessoa silenciosa e parada só porque conheceu alguém mais santo que é desse jeito. Se o seu estilo é mais discreto, não se preocupe em ter que virar um inflamado defensor da fé. Deus precisa de personalidades de todos os tipos, e não se afasta de nós por causa de quem somos, de nossas lutas ou de coisas que achamos não serem tão boas. Afinal, ele nos criou desse modo. Não consegui descobrir o autor dessa frase, mas ela é ótima assim mesmo: “Quando chegar ao céu, Deus não vai querer saber por que você não foi mais como a Madre Teresa. Ele vai querer saber por que você não foi mais como você”.

Ser santo é ser você “de verdade”.

6. Santidade não é ser motivado pelo medo


Outra abordagem não saudável da santidade é achar que ‘preciso ser bom porque senão coisas ruins vão acontecer’. Essa ideia é sem vida, sem alegria. A motivação pelo medo pode funcionar, mas não nos confere liberdade. Ser bom não é a nossa única meta. O objetivo deveria ser crescer em nosso relacionamento com aquele que é o próprio Bem. Isso nos permite lidar com Deus, enfrentar as nossas dúvidas e fazer todas as nossas perguntas. Quando a nossa motivação para agradar a Deus vem do medo, então isso afeta todas as nossas interações com os que estão ao nosso redor. Isso sufoca o amor.

Para uma explicação clara sobre a diferença entre o ‘ter medo de Deus’ e a virtude do ‘temor de Deus’, confiram essa excelente homilia do Padre Stephen Wang.

Ser santo é confiar que Deus tem a nossa vida em suas mãos.

7. Santidade não é fácil


Naturalmente, mesmo com uma boa compreensão do que a santidade é ou deixa de ser, ela ainda não é fácil! Nada de valor jamais foi fácil. Não se chega lá de uma hora para outra. Ela é uma maratona que dura a vida inteira, e não uma corrida de curta distância. A santidade exige que abandonemos nossa zona de conforto, e que entremos numa batalha onde poderemos ser derrotados várias vezes. A parte mais difícil da santidade talvez seja nos erguer de novo, de novo e de novo - e admitir que sozinhos não vamos conseguir. Depois de ter escrito sobre como resistir ao diabo e à tentação, o apóstolo Pedro escreveu: “E, depois de um breve sofrimento, o Deus de toda graça, que vos chamou em Cristo Jesus para a glória eterna, vos aperfeiçoará e firmará, vos fortalecerá e consolidará” (1Pd 5, 10). Portanto, “seja paciente com tudo, mas em primeiro lugar com você mesmo” (São Francisco de Sales).

Ser santo é uma jornada vitalícia para o próprio destino, na qual se pode fracassar, mas também se pode decidir começar de novo.

8. Santidade não é esconder defeitos para parecer perfeito


Às vezes olho para os outros e penso: ‘Eles são tão santos! Ficariam chocados se soubessem tudo a meu respeito’. A verdade é que não há hierarquia para a santidade. Tentar esconder as falhas provavelmente toma mais tempo, esforço e energia do que erguer as mãos, admitir que não somos perfeitos e que precisamos da graça de Deus e do apoio das outras pessoas. É por isso que é tão importante cultivarmos um mundo onde todos estejam cientes de que necessitamos do perdão de Deus e dos homens. Isso conduz à compaixão, e numa atmosfera de compaixão podemos ser autênticos a nosso respeito, e perseverar na busca da cura. Sério. Nos ajudemos mutuamente. Sejamos gentis com as fraquezas uns dos outros. Se uma pessoa se abrir e exibir suas feridas, cicatrizes e falhas, não pisemos em cima dela. Sejamos misericordiosos, assim como o nosso Pai celeste é misericordioso.

Ser santo é ser verdadeiro e autêntico.


bottom of page